2.22.2012

TELA DE AMOR E MORTE EM PUCARA (IMPÉRIO INCA)






Havia umas flores, nos Andes, chamadas panti (1) que, resistentes, semeavam a si mesmas, suas sementes germinando ao cair na terra. Crescíam bem, mesmo em solos pobres ou quando em áreas mais secas, florescendo a pleno sol, embora tolerassem as sombras. Resistentes a épocas mais áridas, às pragas ou doenças, suas flores atraíam pássaros e borboletas de todas as cores; cobrindo as planícies e as alturas com uma cor vermelho-sangue. Dizem que está extinta em seu ambiente natural mas, espero que possa renascer e, até mesmo, por algum milagre da natureza, nos guiar em meio à destruição de seu habitat, por entre as ruínas de um Império que eu já não sei mais onde buscar.

A planta herbácea, perene, atingia até sessenta centímetros de altura, suas folhas verdes, longas, compostas de folíolos, marcavam as flores que se produziam em um capítulo de cor vermelho escuro. O anel de flores exteriores, assimétricas, com aspecto de pétalas, formado por um simples círculo de flores, em geral oito, despertava uma fragrância suave de baunilha, especialmente no período da tarde e no quente verão. A floração era abundante, de junho a outubro, pelos caminhos, encostas e vertentes, mas quando cortaram as flores mortas, as extinguiram, como extinto foi o sangue Inca, ao ser derramado, cobrindo os Andes.

De acordo com o Testemunho do dia 8 de julho de 1567, do Inca Titu Cusi Yupanqui, quando os primeiros conquistadores chegaram à cidade de Cuzco, Juan Pizarro prendeu seu pai, Manco Inca, sob o pretexto que ele queria rebelar-se com todos os índios do reino e, por resgate, exigiu uma cabana cheia de ouro e prata. Mesmo sendo mentira, para redimir-se da humilhação, Manco Inca deu-lhe muitas cargas desses minerais.

Então veio Gonzalo Pizarro como corregedor e mandou-o para a prisão, sob o pretexto que ele queria se levantar de novo, e pediu outra cabana cheia de ouro e prata e colocou uma corrente em torno de seu pescoço, e levou-o por toda a cidade de Cuzco diante de seus súditos, esposas e filhos, com muita ignomínia. E quando  Manco Inca não tinha mais nada para redimir-se da humilhação, chegou à cidade de Cuzco Hernando Pizarro como corregedor e ordenou que ele fosse solto e depois de soltá-lo, pedia-lhe muito ouro e prata dizendo que era porque o havia libertado. Não tendo com que subornar Hernando Pizarro e temendo que o mandassem de novo para a prisão e o perturbassem, chamou a todos os capitães e chefes do reino e levantou-se contra o domínio espanhol na fortaleza de Cuzco; cada um dos chefes, em suas terras, rebelaram-se com ele. E, assim, mataram muitos cristãos. E, em Pucara, quando o alcançaram, lhe tomaram a uma irmã e mulher chamada Coya Cura Ocllo, e a levaram a Tambo e, alí, atiraram nela. Manco Inca, então, com maior revolta, lutou com os espanhóis e matou muitos deles.

Pucara (2), que significa "fortaleza vermelha", agora é apenas uma ruína Inca, perto da estrada que vai de Cusco ao Antisuyo (selva amazônica).
Pucara, que está muito perto de Tambomachay, outra ruína na área, era um posto de controle militar - o complexo dispõe de armazéns, casas, fontes e aquedutos.
A "Fortaleza Vermelha", com seus muros de cor avermelhada, tomou este nome a partir da cor das pedras, especialmente ao entardecer quando, sob as luzes do crepúsculo, a rocha é muito vermelha.

Hoje, as ruínas conservam os restos do que um dia foram torres de vigilância e muralhas, características de um sítio militar com praças, escadarias e aquedutos. A proximidade de Tambomachay também é importante porque, ao que parece, em tempos ainda mais antigos, o governante Inca costumava visitar, regularmente, os banhos de Tambomachay, toda vez que seu exército e funcionários se alojavam em Pucara.
A nove quilômetros da cidade de Cuzco, facilmente acessível, o trajeto que, de automóvel, dura de quinze a vinte minutos em média, também pode ser feito a pé em umas duas horas. Hoje não é considerado um lugar muito importante, não é encontrado em muitos mapas da região, por isso poucas pessoas chegam a visitá-lo.


Voltando um pouco atrás no tempo...


Como em uma pintura a óleo sobre tela, as ruínas parecem, ainda, brilhar ao sol de um passado distante, quando Manco Inca ansiava por liberdade, tentando, desesperadamente, retomar o caminho da história até as tardes tranquilas de sua infância. Imagino seus olhos cheios de lágrimas represadas, como tempestade que ameaça sem cair, pensando em sua esposa morta, tentando olhar, apenas, para as planícies e encostas vermelhas de "Panti Pampa"(3).

Consideremos o que acontecia, naquela época, nas palavras de Murúa. Antes e depois da batalha de Salinas, os índios que estavam em Cuzco e em seus arredores, não faziam idéia de onde estava Manco Inca. Desse modo, iriam reconhecer Paulo Topa como filho de Huayna Capac, o que significava colocá-lo como Inca (Paulo não era filho da esposa principal de Huayna Capac como seria necessário para ser alçado como Inca). Os espanhóis vizinhos e os "encomenderos"(*) deles, querendo evitar incovenientes que poderiam acontecer caso eles se acostumassem com ele, e para que Paulo Topa não se sentisse cheio de soberba, ordenaram que ninguém deveria ir à sua casa, apenas seus servos. Assim, a partir de então, os índios não se dirigiam mais à casa dele, nem o reverenciavam, pelo que, finalmente, entenderam os espanhóis que, desta forma, tirariam dele a oportunidade de se rebelar, como seu irmão."

Esta era a situação em Cuzco, enquanto nas montanhas...

"Manco Ynga, naquele momento, não descansava, antes andava causando muitos males e roubos, destruindo tudo o que podia, e como as novas chegassem aos espanhóis, querendo acabar de uma vez com o que inquietava a terra, saíram de onde estavam e lutaram bravamente, matando muitos índios, e o desbarataram e feriram até a província de Vitcos, em Vilcabamba, e foram atrás dele até lá. "


"Paulo Topa os seguiu,

e um dia o tiveram tão apertado que lhe tomaram o andor que o levava e a tiana - que é o assento onde se sentava-, e ele escapou nas montanhas, onde se escondeu com muitos índios, e outros, que não puderam segui-lo, não tiveram vontade de andar, já cansados, vieram a Cuzco, e dalí cada um foi para suas terras, e os espanhóis, como viram que Manco Inca tinha escapado de suas mãos, voltaram para Cuzco, e Manco Ynga se foi à sua Guamanga com o povo que restara, e lá praticava todos os males que podia. "


Jimenez de la Espada descreve a "Guamanga de Manco Inca" em seu livro, Relaciones Geograficas de Indias, como "terra cheia de curvas e cavernas: nas alturas é terra fria, nua, seca e estéril; embaixo, onde há rios e córregos de água ,é terra temperada e fértil; alí, dá qualquer coisa... "

Segundo o autor, os rios e riachos desciam das montanhas nevadas e desertas e íam profundos e resistentes, estreitando vales.


Ele a descreve quando o Inca já não vivia mais. Na época, todos ocupavam as terras desde as alturas ao chão, em terra mais fria do que quente. Nas alturas e encostas, por causa das chuvas, tiravam proveito dos dois extremos: da terra fria, para apascentar o gado doméstico, aqueles que os tinham e, também, caçar; e, da quente, para as lavouras. No tempo dos espanhóis, "todas as casas eram pequenas e humildes e, a maioria, redondas, suprindo com arte a pobreza e necessidade de roupa."

Três ofícios ​​ainda eram usados: oleiros, carpinteiros, e ourives. No entanto, como eles não conseguiam sustentar-se com seu trabalho, apenas nas cidades, onde ganhavam vendendo para os espanhóis, poucos foram aqueles que ficaram, só os que tinham algum gado remanescente da época dos Incas; estes eram os mais remediados e o principal modo de vida dos montanheses era o trabalho no campo.

"O caminho real que chamam de Guainacaba (3), que parte de Quito, pelas montanhas para ir a Cuzco e Charcas, divide os povoados dessa província, entrando pela praça da cidade. Os índios que vivem do lado esquerdo, que é para o Andes, alcançam boas terras. Têm chácaras de coca, algodão e pimenta, pelos quais pagam tributo, e obtêm seus pagos e benefícios. Aqueles que vivem do lado direito, entre o caminho real e a cordilheira, que é nas planícies, não têm tais terras, mas têm despovoados e algumas cabeças de gado e caça, dos quais se sustentam, vestem e fazem carne seca, chamada charque, e disso obtêm seus pagos e contratos com os outros. As chácaras de coca que agora têm os índios, eram todas do Inga e nenhum chefe ou índio as tinha; e da que agora colhem trezentos e quatrocentos cestos, naquele tempo não colhiam dez, daí se conclui que no tempo dos espanhóis se multiplicou, tornando-se tão comum aos índios."(*)

Pois bem, quanto a Manco Inca...


"Vendo que não parava, trataram de enviar outra vez para prendê-lo, e entrou Gonzalo Pizarro, e Villacastín,e o capitão Orgono e o capitão Oñate e Joan Balsa, e morreram treze espanhóis e mataram seis cavalos, ainda que tenham matado muitos parentes de Manco Inga e principais pessoas que estavam com ele. Foi Villacastín, um capitão, com grande número de soldados espanhóis, também levou consigo um grande número de índios, cujos capitães eram Inquill e Huaipar. Manco Inga, reunindo todo mundo que pôde, chegou de repente sobre os índios e matou a todos, prendeu Huaipar, que teve nas mãos. Inquill, fugindo, ao escapar, despencou-se ".


Assim começa a desenhar-se nossa tragédia, de amor e dor, que o destino traçou no meio da guerra, acrescentando cor, quando a terra já estava coberta de sangue, vermelho, carmim, como as flores de "panti" que se derramavam pelas encostas.

"... E houve batalha com os espanhóis em Xauxa, onde morreram muitos, e também na batalha de Yucay, onde morreram mais de 400 espanhóis, em seguida, em Pucara, onde houve a batalha com Gonzalo Pizarro, onde morrer Guaypar e Inguill, filhos de Guayna Capa, e não restou outro filho, apenas Paullo, ... "(Titu Cusi Yupanqui, carta)

Manco Inca necessitava, naquele momento, demonstrar sua força diante de seus homens. E ele o fez.

"Para fazer com que os outros o temessem, mandou matar a Huaipar diante de sua irmã, que era esposa de Manco Inca,...

... dando-se, depois, batalha, Villacastín desbaratou a Manco Inca com os espanhóis e prendeu a esposa de Manco Ynga. Eles a tiveram nas mãos porque ela ficou para trás na retirada,

com raiva, e se recusou a acompanhar o marido, porque ele havia morto diante dela a seu irmão Huaipar. "

"Como dissemos, Villacastín e Gonzalo Pizarro a levaram a Tambo, onde o Marquês Pizarro, que tinha tornado a subir desde Lima, e estava lá, com uma estranha crueldade, indigna de usar-se com uma mulher que não tinha culpa daquelas revoltas e rebeliões de seu marido, mandou atirarem nela e em outros capitães de Manco Inca.
À morte de sua esposa, tão triste e desesperada, chorou e fez grande sentimento por ela, porque a amava muito e, com isso, foi se retirando até o assento de Vilcabamba."


Frei Martin de Murua me permitiu encontrar o campo de cosmos que tanto busquei para ilustrar essa história de amor. Quando eu já havia perdido a esperança.

Então, o tempo havia avançado um pouco, alguns poucos anos, na época do último Inca, Tupac Amaru, mas, como podemos ver, o sofrimento e a dor pareciam não ter fim.

"No dia seguinte levantou-se o acampamento e em boa ordem marcharam duas léguas até Huayna Pucara, onde os inimigos estavam reforçados, e fizeram resenha em um lugar chamado Panti Pampa, e alí o campo espanhol parou, para tratar de como investiriam contra o forte e prevenir o que fosse necessário para o assalto, que se esperava ser muito difícil e perigoso... e se estabeleceu o acampamento da melhor maneira possível. Os inimigos estavam à vista e até mesmo quase no campo, à medida em que eles se aproximavam . "

"O Capitão Puma Ynga, em nome dos Incas Tupa Amaro e Quispi Tito, deu obediência ao general Martin Hurtado de Arbieto, dizendo que o Incas pediam paz...

... E que eles não haviam tido qualquer culpa na morte de Atilano de Anaya, nem tinham mandado tal coisa, porque estavam lá dentro, apenas Curi Pauca, e os outros capitães orejones de sua autoridade, haviam feito, para que ninguém soubesse da morte de Tito Cusi Yupanqui, seu irmão e pai. "

"Esse Puma Ynga deu notícia de como os capitães haviam feito um forte e o mantinham muito equipado e fortificado, chamado Huayna Pucara, e traçou o modo de como se poderia ganhar sem que os espanhóis e índios corressem perigo no assalto e captura dele. Nesse momento andavam os inimigos à vista do acampamento, e aos olhos dos espanhóis, com grande desenvoltura, aparecendo às vezes como a desprezar os nossos. "

"Assim, através de seus avisos claramente se conhece que houve a vitória e tomada do forte, porque ele disse que era um lugar muito longo, de uma légua e meia, quase chegando a duas e, de distância, como meia-lua o caminho por onde se tinha de marchar, muito estreito, muito rochoso e de montanha, e um rio largo e caudaloso, correndo pela vereda do caminho, pois tudo era de muito perigo e temeridade, indo e lutando contra os inimigos que estariam nas alturas, nessa distância de légua e meia, nas alturas que fazem meia lâmina fragosa, que não se pode andar ou passar dois companheiros juntos, aos pares. Os índios tinham feito um forte de pedra e lama, muito amplo, onde estava a fortaleza com muitos montes de pedra para atirar com a mão e com fundas e sobre o forte, por toda a lâmina, estavam montes de grandes pedras (#) e em cima ou por trás dos montes, pedras muito grandes, com suas alavancas,... "


Por entre pedras e flores, chegava-se ao Qhapac Ñan, a Estrada Real, que conduzia a toda parte. Sobre os rios, pontes suspensas que se gastaram como laços quebrados na memória. Como já disse Murúa, naquele lugar havia tanta quantidade de pedras que "parece ser realmente uma cidade ou castelo de muitas torres, de onde se julga que os índios deram-lhe um bom nome. Entre esses penhascos altos ou penhas existe uma rocha, junto a um pequeno rio, tão grande quanto admirável de se ver, considerando a espessura e a grandeza. Eu a vi, e dormi uma noite nela e me parece que terá de altura mais de duzentos côvados e, no contorno, mais de duzentos passos no topo dela. Se estivesse em uma fronteira perigosa, facilmente poder-se-ía fazer essa fortaleza que seria considerada inexpugnável. E  tem outra coisa que notar nessa  enorme rocha, que, em seu contorno, tão côncavo, podem ficar sob ela mais de cem homens e alguns cavalos. "


Pucara, a Fortaleza Vermelha, como fortes traços de tinta aplicada em uma tela branca que, perdendo a cor original, torna-se sangue, como as flores de cosmos, em Panti Pampa, talvez extintas, talvez à espera de um renascimento.
Na Catedral da cidade de Puno, construída no século XVIII, no antigo Supay Cancha (cerco do diabo), cuja fachada foi esculpida pelo mestre pedreiro peruano Simón de Asto, na qual podemos ver uma mostra do Barroco espanhol, incluindo elementos andinos que conferem ao monumento o seu carácter mestiço, tal como na fachada as flores nativas de panti (1). A obra foi concluída em 25 de maio de 1757.


(*) Adendo: pode-se perceber o momento exato em que a coca começou a se tornar uma "necessidade".

(**) (encomederos) - encomienda - Instituição da América colonial, mediante a qual se concedia a um colonizador um grupo de índios para que trabalhassem para ele em troca de sua proteção e de evangelização.

(#) pedregonazo (palavra usada por Murúa) que eu traduzi usando o sufixo da Língua  Espanhola: azo, -aza
1   Sufijo que entra en la formación de palabras con valor aumentativo y, frecuentemente, matices especiales de cariño o menosprecio: cochazo, manaza, padrazo, cabronazo. (sufixo que entra na formação de palavras com valor aumentativo e, frequentemente,com especiais nuanças de afeto ou desprezo)
2   Sufijo que entra en la formación de palabras con el significado de 'golpe': bastonazo, codazo, portazo. (sufixo que entra na formação das palavras com o significado de golpe)


(1) Cosmos é um gênero, com o mesmo nome comum de Cosmos, de cerca de 20-26 espécies de plantas anuais e perenes da família Asteraceae.



(2) Puca Pucara.

(3) Campo de Panti (cosmos)

(4) Huayna Capac.


(4) No livro El Mundo Vegetal de los Antíguos Peruanos de Eugenio Yacovleff e Fortunato L. Herrera temos:
color encarnada

86. PANTI; ID.  Holguín Cosmos peucedanifolius var tiraquensis (Kunth) Scharff (Fam. Compositae) PANTI Planta herbácea, anual, de folhas muito divididas, flores de cor vermelha. Cresce no desfiladeiro de Apurimac. Cultiváveis como planta ornamental, suas flores são usados ​​como um sudorífico. Nas festas de carnaval, que substituíram as que celebravam entre os incas para incentivar a procriação das llamas, os índios usam as flores de panti em forma de mistura para atrair prosperidade. O povoado de Pantipata, que significa "uns andenes e, neles, flores vermelhas." (GIR 207, II).

“Panti-flor vermelha, símbolo de ternura” (Holguín)

--Outros estudos feitos com Panti: Especímes examinados: Sra. A. F. Bandelier 18, alt. 12,500 feet(pés), Titicaca, Lago Titicaca, Bolivia, 1905 (N. Y.; nomen incolarum; aymaranarum, Panti-Panti); CL Gay, Departmento de Cuzco, Peru, October, 1839-February, 1840 (Par. tipo de Cosmos subpubescens Wedd.) F. L. Herrera, alt. 3,000-3,600 metros, Cuzco, Peru, July, 1923 (U. S.); idem 1025, alt. 3,700 metros, Hacienda Churu, Provincia de Paucartambo, Departmento de Cuzco, Peru, enero (e pittacio lectoris ipsius), 1926 (Field; Gray, 2 sheets; Mo.; N. Y.; U. S.; nom. vulgare, Panti) em lugares não cultivardos, terrenos com matas(arbustos), etc, perto de Sorata, nos terrenos de mato  por toda parte, perto de Sorata, janeiro-marçoo de 1859 (Del.; Gray; N. Y.) A. Mathews, Provincia de Chachapoyas, al norte del Peru (Gray, 2 folhas; material tipo de C. marginatus Klatt); A. Weberbauer 6S81, Peru, 1909-1914 (Field); idem 7597, alt. 3,600 metros, na estepe de gramíneas com arbustos de dispersão, Valle de Yanahuajra, Provincia de Huanta, Departmeno de Ayacucho, Peru,18 de marzo de 1926 (Field).
Weddell’s C. subpubescens se baseou em uma planta de Gay fde a Província de Cuzco, Peru.



BIBLIOGRAFIA


(En el testemonio del Inca Titu Cusi Yupanqui, hijo de Manco Inca, 8 de julio de 1567, in Matienzo).
(Carta-Memoria del Inca Titu Cusi Yupanqui al Lic. Matienzo, junio de 1565, in Matienzo).


--Juan de Matienzo, Gobierno del Peru.


--Fray Martín de Murúa, Historia General del Peru.--Juan de Matienzo, Gobierno del Peru.
--Jimenez de la Espada, Relaciones Geograficas de Indias.


você pode ver o texto original desta postagem, em espanhol, bem como todos os textos dos autores, aqui traduzidos, no seguinte link, aqui no blog:
http://princesinhadiseda.blogspot.com/2011/07/manco-ii-lienzo-de-amor-y-muerte-en.html











2.21.2012

COMO PUMAS ENTRELAÇADOS NAS SANDÁLIAS DE HUASCAR (IMPÉRIO INCA)



                                




Agora, em nosso regresso de quinhentos anos no tempo, ao Tahuantinsuyo, vamos ao palácio para encontrar o Inca ... O último Inca... Huascar.

O Palácio Real do Inca, chamado Cuusmanco, tem duas portas magníficas, uma na entrada e uma mais interior, e sua obra é toda em cantaria bem lavrada.
Na primeira porta, há dois mil soldados de Guarda com o seu capitão. Estes soldados são privilegiados e isentos de serviços pessoais, os capitães, que os comandam, são pessoas importantes, de grande autoridade (1).

Depois dessa primeira porta existe uma praça, na qual podem entrar os que vem de fora, acompanhando o Inca, detendo-se, ali quando ele entra com os quatro orelhões de seu conselho, atravessando a segunda porta, na qual existe uma outra guarda, esta composta, apenas, de pessoas naturais da cidade de Cuzco (2). Para além dessa porta, um outro grande pátio, destinado aos oficiais do Palácio e os que tem ofícios regulares dentro dele, que ficam aguardando ordens, em razão de seu ofício.
Junto a essa segunda porta, onde está a armaria (3), com todos os tipos de armas, ficam cem capitães, dos melhores na guerra, exercitados nela, os quais são mantidos prontos para qualquer ocasião que se apresente.

Em seguida, as salas, recâmaras e aposentos, onde o Inca vive, cheio de alegria e contentamento, com sua esposa, com saída para os jardins onde há árvores com todos os tipos de aves e pássaros cantando; pumas, onças e outros gatos selvagens e todos os tipos de feras e animais encontrados no Tahuantinsuyo. Os quartos, amplos e espaçosos, lavrados com maravilhoso artifício porque, como não há cortinas ou tapeçarias, as paredes são esculpidas com ricos trabalhos, decoradas com muito ouro e estampas das imagens e feitos dos ancestrais; as clarabóias e janelas são guarnecidas com ouro e prata e pedras preciosas.


Há no palácio uma câmara do tesouro, a Capac Marca Huasi (4), onde são guardadas as jóias e pedras preciosas do senhor. Nesse aposento estão todas as ricas vestes do Inca, de finíssimo Cumbi (5), e todas as coisas relativas ao adorno de sua pessoa - não apenas as suas jóias de preço inestimável, como peças de ouro e prata do serviço usado nos aparadores do palácio. Com cinquenta camareiros encarregados e  um contador-chefe para liderá-los, uma espécie de inspetor para vistoriar, minuciosamente, cada detalhe do serviço; ou seja, um tucuiricuc ou cuipucamayoc.
Ele é encarregado das chaves de algumas portas (6), mas não pode abri-las sem estar na presença de seus  companheiros que, por sua vez, têm suas próprias chaves.

Existem vinte e cinco roupeiros, de doze a quinze anos,  filhos dos curacas (chefes) e pessoas importantes, muito bem tratados e ricamente vestidos, que cuidam das roupas do Inca, preparando-as e separando-as de acordo com as cores ordenadas. Eles também levam os pratos à mesa quando ele se alimenta.


                                                                ****



O Inca atravessara os umbrais do aposento com um ar imponente e orgulhoso no semblante. Como outros Incas, ele tem estatura media, pele levemente bronzeada; o cabelo, um pouco mais curto do que outros, no reino, que os mantém mais compridos. Não tem barba (7), é sério, circunspecto, mas também tranquilo e discreto. E, como, em geral, todos os Incas, se expressa muito bem. (8)

Vestido costumeiramente com uma camisa de Cumbi azul, maravilhosamente elaborada com um trabalho de Tocapo (9), com tons sutis de verde e roxo. A manta, a yacolla, do mesmo Cumbi, mas sem qualquer trabalho, descansa nos braços de um roupeiro, que aguarda, pronto para vesti-la nele, se assim desejar o senhor.


Na cabeça, ele traz o llaitu (10), com as cores do arco-íris, as mesmas do Tahuantinsuyo, incrustrado de pedras preciosas e, pendendo do llaitu,  o vermelho vivo do  Cumbi finíssimo da borla imperial, a mascapaicha - a insígnia real e coroa, com os seus fios de ouro e as sagradas penas do qoriqenqe.
Calçado com sandálias que cobrem as solas dos pés e se enlaçam no meio do pé com as argolas pelo calcanhar e onde os laços são travados coloca-se algumas cabeças de puma, feitas de ouro e pedras de esmeralda, ricamente trabalhadas.
Neste momento, o copeiro, o ancosanaymaci, um dos orelhões mais importantes do império, aproxima-se, carregando um copo feito de madeira preciosa, talvez cheio de chicha, talvez de água, para servir ao supremo Inca do Tahuantinsuyo.

O último Inca... Huascar... que permanece em silêncio, observando a luz do sol que vem dos jardins...



 
                                      (Fray Martín de Murúa: Historia general del Perú)



                                                                      



                                                                         ################




(1) Quando o Inca ia à Serra, iam junto com sua pessoa, e recebiam rações regulares e avantajados pagamentos, e  andavam, geralmente, acompanhados pelos filhos dos curacas e pessoas importantes, muito lucidamente adereçados. (Murtua)

(2) orelhões e parentes, descendentes do Inca, em quem ele confiava, e eram aqueles encarregados de criar e ensinar os meninos, filhos dos governadores e pessoas importantes de todo o Reino para que trabalhassem no serviço do Inca, assistindo-o na corte.
3) a saber flechas, arcos, lanças, macanas, champis, espadas, capacetes, fundas, escudos pesados, tudo arranjado em perfeita ordem e disposição.

4) literalmente - aposento rico do tesouro - tinha esse  tesoureiro ou contador-mor, um grande salário e muito proveito, porque o Inca lhe dava muitas roupas das suas próprias, gado e chácaras, e dessas doações ele ficava com duas partes e uma era para seus companheiros.

(5) Cumbi - tecido finamente elaborado com lã de vicunha.

(6) portas de madeira.

(7) os incas não tinham qualquer tipo de barba, porque se alguma surgisse, com pinças, chamadas tiranas, as arrancavam. (Murúa)

(8) Eu descrevi Huascar de acordo com as características dos Incas descritas por Frei Murúa em seu livro. Porém, gostaria de fazer uma ressalva, chamando a atenção para o fato de que os Incas de sangue puro, naquela época, já estavam extintos, ou praticamente extintos, pois os que não foram mortos pelos exércitos de Atahualpa (que era só meio Inca, apenas por parte de pai e é preciso lembrar que, para ser Inca, era preciso ter sangue puro), foram dizimados pelos espanhóis, mortos por doenças e, os que restaram, misturaram o sangue, ou com os próprios espanhóis, ou com os Incas de privilégio, que não eram Incas de sangue, ou com os povos circundantes, que serviam aos Incas. Alguns autores afirmam, o que eu mesma sou levada a concordar, que os Incas eram brancos; alguns dizem 'bem brancos'. 

(9) As ñustas (Virgens do Templo do Sol), que fiavam de modo extremamente delicado para tecer as roupas do Inca e esculpiam neles maravilhosos labores de tocapo, que eles dizem que significa diversidade de trabalhos, com mil matizes de grande delicadeza, às vezes de cor roxa, às vezes verde, às vezes azul, outras vezes vermelho vivo.
Tocapu ou tocapo: pequenas figuras de grande padrão com certos desenhos repetidos, com os quais adornavam as vestes mais luxuosas. Trajes típicos do Peru e mantas, muitas vezes contêm esses símbolos abstratos e geométricos que se encontram discretamente dentro de um quadro retangular ou quadrado. Na roupa, cada tocapu poderia ser colocado em um padrão linear ao longo da cintura ou sobre uma grade que cobre toda a superfície. Eram prerrogativa dos membros do clã imperial Inca e dos indivíduos da elite, acredita-se ter sido um privilégio das pessoas que utilizavam estas peças de vestuário e que eles controlavam uma variedade de etnias no Império (Rebecca Arte em pedra de Miller. Dos Andes Chavin de Inca, Nova York. Thames and Hudson, 1995, p. 210).

(10) O llauto era uma espécie de turbante com as cores do Tahuantinsuyo (Império Inca), tecido com lã de vicunha, que dava de cinco a seis voltas na cabeça e sustentava na frente uma  borla de lã, chamada mascapaicha que, juntamente com penas do qoriqenqe (ave sagrada cujo símbolo levava na parte da frente) e topayauri (uma espécie de cetro) constituíam as vestes particulares do Sapa Inca.

  BIBLIOGRAFIA 
  
Fray Martín de Murúa: Historia general del Perú. Origen y descendencia de los Incas (1611). 
  
e para o tocapo: 
  
Rebecca Stone-Miller. Arte de los Andes de Chavín de Inca, Nueva York. Thames and Hudson, 1995, p. 210). 

  





2.18.2012

ATAHUALPA - ESTRIBILHO DE UMA MORTE ANUNCIADA









Para falar sobre Atahaulpa, podemos usar o testemunho de Pedro Pizarro (#), que esteve com ele nos últimos dias de sua vida e escreveu em seu livro, Relación del Descubrimiento y Conquista de los Reinos del Perú, a impressão que teve dele, como um homem de grande poder e carisma.

Pizarro disse que Atahualpa era um homem bem disposto e de boa aparência, corpo bem feito, sem ser muito gordo, bonito de rosto, circunspecto, olhos implacáveis. Disse que era muito temido por seu povo e amado como Deus.

Quando "tiraram este senhor do madeiro onde ele foi morto, seus índios se aproximaram e cavaram a terra, onde seus pés haviam estado, quatro dedos, e a levaram como relíquia."
"Eu me lembro que o senhor de Guailas (Huaylas) pediu permissão para ir ver a sua terra e ele a deu, dando-lhe tempo que fosse e voltasse, e se atrasou um pouco, e quando voltou, na minha presença, chegou com um presente de fruto da terra, e tendo chegado diante dele, começou a tremer de tal forma que mal podia se manter em pé. Atahualpa levantou a cabeça um pouco, e, sorrindo, lhe fez sinal para que saísse."(1)

  
De acordo com Pizarro, Atahualpa usava a mascapaycha, que era a borla real ou "coroa" (2), o que significa que ele se considerava Inca, mesmo quando Huascar ainda estava vivo, sendo este soberano, senhor e verdadeiro Inca. Atahualpa usava o llauto na cabeça, que eram tranças coloridas de lã, da espessura de um dedo médio, por um de largura, à maneira de coroa mas, sem pontas, redonda, da largura de uma mão que encaixava na cabeça. Na frente, uma borla costurada neste llauto, da largura de uma mão ou um pouco mais, de lã muito fina, escarlate (*em espanhol original- grana) (3), muito bem cortada, presa por alguns tubinhos de ouro, muito subtilmente, até a metade. A lã era fiada, dos tubos para baixo, retorcida, que era o que caía em sua testa, os tubinhos de ouro tomavam todo o llauto. Esta borla, de um dedo de grossura, caía até um pouco acima das sobrancelhas, ocupando toda a frente.
Atahualpa tinha muitos líderes com ele: eles ficavam lá fora, em um pátio, quando ele chamava algum, este entrava descalço até onde ele estava e, vindo de fora, de outro lugar, deveria entrar descalço e carregando uma carga ou "fardo" em sinal de submissão. Quando seu capitão Challicuchima veio com Hernando Pizarro e entrou para vê-lo, entrou descalço, com uma carga na cabeça, jogou-se a seus pés e beijou-os, chorando. "Atahualpa, com o rosto sereno, lhe disse: -Seja bem-vindo alli Challicuchima, o que significava:  - Seja bem-vindo, bom Challicuchima."
  
Eles todos andavam raspados, e os 'orejones' (4) com o cabelo cortado a 'sobre peine' (5). Vestiam roupa muito fina e macia.
"Este senhor colocava a manta sobre a cabeça, atando-a sob o queixo, tapando as orelhas: fazia isso para tapar uma orelha que estava rompida, que, quando o prenderam os de Guascar (Huascar) a quebraram." 
  
As vestes de Atahualpa. 
  
"Este senhor vestia roupas muito delicadas." 


Além de ser uma pessoa interessante, Atahualpa era fascinante. Não foi o suficiente usar roupas finas e delicadas, feitas com o melhor Cumbi, comumente usadas pelos Incas, ele ousou mais. Pizarro descreve um momento em que, talvez para mostra-se um pouco mais, impondo sua presença, vestiu uma roupa feita de lã de morcego.
Como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.


Pizarro conta que, certo dia, Atahualpa fazia uma refeição servida pelas mulheres que traziam a comida e a colocavam diante dele, em umas "bandejas" de junco verde, muito finas e pequenas. Estava sentado em um assento de madeira vermelho muito bonito, de um pouco mais de um palmo de altura, o qual mantinham, sempre, coberto com uma manta muito fina, ainda que ele estivesse sentado nele. Essas "bandejas" de junco, já mencionadas, eram, sempre, estendidas diante dele, quando queria comer e, alí, colocavam todos os manjares em pratos de ouro, prata e barro, e os que lhe apetecíam, ele fazia sinal para que trouxessem e uma das mulheres o segurava nas mãos enquanto ele comia.


"Pois estando ele dessa maneira, comendo, e eu presente, levando um pedaço da iguaria à boca, ele deixou cair uma gota na roupa que vestia, e dando a mão para a índia, levantou-se e foi para seu aposento para vestir outra roupa, e voltou, usando uma camiseta e uma manta marrom escura. Aproximando-me dele, toquei em sua manta, que era mais suave que a seda, e eu disse: - Inca, de que é esta veste tão suave? Ele me disse: - É de uns pássaros que andam de noite, em Puerto Viejo e em Tumbez, que mordem os índios. Chegou a declarar que era de pelo de morcego. Dizendo-lhe de onde podiam juntar tanto morcego, respondeu:. - Aqueles cães de Tumbez e Puerto Viejo, que haveriam de fazer senão usar isso para fazer roupas para o meu pai? E é assim que esses morcegos mordem à noite, índios, espanhóis e cavalos, e tiram tanto sangue que é coisa de mistério, e assim averiguou-se ser essa veste de lã de morcego, e era da cor deles, pois em Puerto Viejo e em Tumbez e em sua região, há uma grande quantidade deles. "




"E eu não vi em todo o Perú, índio semelhante a esse Atahualpa, nem de sua ferocidade ou autoridade."







"Certa vez, um súdito veio queixar-se de que um espanhol levou algumas vestes de Atahualpa; o Marquês (6) enviou-me para descobrir quem era, chamar o espanhol e castigá-lo. O índio me levou a uma cabana (7), onde havia uma grande quantidade de baús; o espanhol já tinha ido embora e, dizendo-me que, dalí, ele tomara uma veste do senhor, eu, perguntando-lhe o que continham aqueles baús, mostrou-me alguns que continham tudo o que Atahualpa havia tocado com as mãos e tinha deixado depois, e roupas que havia descartado: em uns, as bandejas que havia atirado aos seus pés quando ele comia e, em outros, os ossos das carnes ou aves que comia; em outros, os sabugos das espigas de milho que havia tomado em suas mãos; finalmente, tudo o que ele havia tocado. Perguntei a eles para que tinham aquilo alí. Responderam-me que era para queimar, porque a cada ano eles queimaram tudo isso, porque o que tocavam os senhores e os filhos do sol deveria ser queimado, transformado em cinzas e ser solto no ar, que ninguém deveria tocar em nada. E, de guarda, estava um comandante com índios que guardava a tudo, e que recolhiam das mulheres que o serviam."


                           ESTRIBILHO DE UMA MORTE ANUNCIADA

  
  
"Tendo chegado, pois, Almagro e as pessoas já mencionadas, Atahualpa perturbou-se e entendeu que havia de morrer, e um dia, enquanto fazia a refeição com o Marquês, perguntou-lhe como ele repartiria os índios entre os espanhóis. O Marquês disse que daria um chefe para cada espanhol. Atahualpa disse se cada espanhol estaria cada um com seu chefe. O Marquês disse que não, mas que fariam cidades onde os espanhóis estariam juntos. Ouvindo isso, Atahualpa disse - eu vou morrer: quero te dizer, apo, o que os cristãos deverão fazer com esses índios para que possam servir-se deles: se a algum espanhol deres mil indios, terá de matar a metade para poder servir-se deles, e assim disse ao Marquês que o havia de matar."

"O Marquês assegurava dizendo a ele que lhe daria a província de Quito, e que os cristãos levariam de Cajamarca a Cuzco. Porque, como Atahualpa era um índio sábio, veio a entender que o enganava, tinha uma grande amizade com Hernando Pizarro, que lhe prometera que não deiraria que o matassem, e por isso dizia Atahualpa não havia visto espanhol que parecesse senhor como Hernando Pizarro. Pois, estando assim, as coisas, determinou o Marquês Don Francisco Pizarro enviar seu irmão Hernando Pizarro para a Espanha com o tesouro de Sua Majestade. Quando Atahualpa soube da ida de Hernando Pizarro, chorou, dizendo que o haviam de matar, porque Hernando Pizarro ia embora, o que assim se passou... "




"Nisso o Marquês foi sempre muito cristão, que de ninguém tirou o que merecia."
 
Uma pequena reflexão sobre o que o autor considera ser um cristão. O que é ser um cristão? Chegar a um lugar, roubando as casas das pessoas, seus bens, suas propriedades, matando seu proprietário, seus moradores e partilhar os despojos em "nome de Deus" de uma maneira cristã? Eu não sei se as pessoas são irracionais, ignorantes, ingênuas, manipuladoras ou, simplesmente, manipuladas. Nenhuma pessoa deveria ser rotulada, mas algumas pessoas não podem ser chamadas de outra forma.
"Pois, tendo feito essa divisão entre aqueles que entraram em Cajamarca quando da prisão de Atahualpa, quero dizer, todos os espanhóis que com o Marquês ali entraram, como se fizera por decreto lque os que depois vieram não lhes davam nada, levantou-se grande confusão entre os Oficiais do Rei e os que tinham vindo com Almagro, dizendo que o tesouro que Atahualpa havia mandado era incontável e que, se o decreto fosse respeitado, eles nunca teriam nada.
Concordaram, pois, os Oficiais e Almagro que Atahualpa deveria morrer, tratando entre eles que, morto Atahualpa, acabaria o decreto feito acerca do tesouro."
  
Os eventos foram se desenrolando como um estribilho mórbido de uma triste melodia que se repete até desaparecer, completamente, dentro da morte.
  
"Então disseram ao Marquês Don Francisco Pizarro que não convinha que Atahualpa vivesse, porque se ele fosse libertado, sua Majestade perderia a terra e todos os espanhóis seriam mortos, e na verdade, se isso não fosse tratado com malícia (como foi dito) teriam razão, porque seria impossível, libertando-o, ganhar a terra. Pois o Marquês não quis chegar a isso.

"Vendo isso, os Oficiais fizeram muitas exigências, colocando o serviço de Sua Majestade à frente. Estando isso assim, atravessou um demônio de uma língua, que dizia Felipillo, um dos rapazes que o Marquês tinha levado para a Espanha, que andava enamorado de uma mulher de Atahualpa, e para tê-la deu a entender ao Marquês que Atahualpa estava organizando grande ajuntamento de pessoas para matar os espanhóis, em Cajas. "
  
Traição, mentiras, palavras trocadas - elementos que se juntaram para formar a trama da morte de Atahualpa.



"Pois tendo sabido disso o Marquês, prendeu a Challicuchima, que andava livre, e, perguntando-lhe dessa gente que a má lingua dizia que se estava juntando, mesmo que negasse, dizendo que não, o tal de Felipillo dizia o contrário, mudando as palavras que os indios diziam a quem lhes perguntasse desse caso. Pois o Marquês Don Francisco Pizarro concordou enviar Soto a Cajas para ver o que de fato acontecia..."


Francisco Pizarro foi pressionado, principalmente por Almagro e pelos oficiais, a ordenar a morte de Atahualpa, porque isso seria muito conveniente para todos. 



"... à partida de Soto, pressionaram o Marquês com muitas exigências e a má língua, por sua vez, ajudava com seu retrucar, conseguiram convencer o Marquês que Atahualpa deveria morrer, porque o Marquês zelava muito dos negócios de Sua Majestade, e assim o fizeram temer, e contra a sua vontade condenou Atahualpa à morte, mandando que o estrangulassem e, após a morte, o queimassem, por ter ele irmãs como mulheres. "


"Certo: Poucas leis estes senhores tinham lido pois, ao infiel, sem defesa, davam-lhe essa sentença. Pois Atahualpa chorava e dizia que não o matassem, que não haveria indígena na terra que pudesse ser controlado sem ele mandar, e que eles o tinham prisioneiro, que haveriam de temer, e se o tinham por ouro e prata, que ele lhes daria dois tantos do que havia mandado."   

"Eu vi chorar o Marquês, de pesar, por não ser capaz de lhe dar vida, pois certamente temeu as petições e o risco que havia na terra se ele se libertasse."


Atahualpa aceitou batismo cristão antes de morrer, não por causa da conversão, mas pela fé que tinham, ele e todos os Incas, que se o corpo não fosse preservado, uma pessoa não poderia renascer. 




"Este Atahualpa tinha dado a entender a suas esposas e índios que se não queimassem o seu corpo, ainda que o matassem, haveria de voltar para eles, que o sol, seu pai, o ressuscitaria. Pois, ao levá-lo para estrangular, na praça, o Padre Frei Vicente de Valverde, já mencionado, pregou a ele, dizendo que se tornasse cristão, e ele disse que caso se tornasse cristão, se o queimariam, e disse que como não o haveriam de queimar, que queria ser batizado, e assim o Frei Vicente o batizou e o estrangularam, e no dia seguinte o sepultaram na igreja que os espanhóis tinham em Cajamarca."
  
"Isso foi antes que Soto retornasse dando conta do que lhe fora ordenado, e quando chegou, ele trouxe a nottícia de não haver visto nada, nem haver nada, o que, ao Marquês, foi muito pesaroso havê-lo morto, e muito mais a Soto, porque ele dizia que ele estava certo, que muito melhor seria enviá-lo para a Espanha, e que ele se obrigaria a colocá-lo no mar, e certamente essa seria a melhor coisa que se poderia fazer com esse índio porque ficar na terra não era aconselhável; também se entendeu que ele não vivera muitos dias, porque era índio muito talentoso e muito importante."
  
Pizarro narra o momento de dor que foi a morte de Atahualpa e como todos se sentiram perdidos sem ele. No instante da sua morte, era ele o Inca, pois Huascar já não vivia. Esta foi a principal razão dada pelos espanhóis para matar Atahualpa, o assassinato de Huascar. Para todos os que viviam em torno de Atahualpa, como se pode ver, ele era, realmente, o Filho do Sol, que já não brilhava,  que foi embora... 
  
"Pois, morto Atahualpa, como eu disse, havia dado a entender a suas irmãs e mulheres que, se não fosse queimado, retornaria a este mundo. Algumas pessoas se enforcaram e uma sua irmã com algumas índias, dizendo que iriam ao outro mundo para servir Atahualpa, ficaram duas irmãs que choravam muito, com tambores e cantando, contando as façanhas de seu marido. Esperaram até que o Marquês saisse fora do seu quarto, e vieram ao lugar onde Atahualpa costumava estar; e me imploraram que as deixasse entrar e, quando entraram, começaram a chamar Atahualpa, buscando-o pelos cantos, bem baixinho. Como viram que não lhes respondía, chorando alto, saíram. Eu perguntei a elas o que buscavam. Disseram-me o que tenho dito. Eu as desenganei, dizendo que os mortos não retornavam até o dia do juízo."(8)
  
Aos poucos, apagou-se a luz de todas as lâmpadas, como que tocadas pelo vento. Aos poucos foi se extinguindo o som dos tambores e flautas, a música parou, morreu o estribilho, as lágrimas secaram enquanto o tempo passava e as gerações se sucederam sepultando os sonhos. Como em uma procissão de amor e esperança, as sombras daquelas mulheres parecem perpetuar a busca pelo Inca. Cantando no silêncio, como fantasmas que deslizam no vazio do tempo, contando as façanhas de Atahualpa, chamando-o pelo nome, bem baixinho. 


                                  Fim da História?
                                                              
  
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1) O texto original de Pedro Pizarro está escrito de uma maneira difícil de entender, então eu coloquei, primeiro, as palavras adaptadas para a língua espanhola atual, simplesmente mudando as letras, tais como (-v) em vez de (-u), como na palavra seruicio (servicio) (serviço), por exemplo, mas não para alterar as palavras no seu significado, simplesmente para facilitar a compreensão quanto às letras. Como no exemplo abaixo:


"Aquerdome que el senor de Guailas le pidio licencia para ir a uer su tierra, y se la dio, dandole tiempo en que fuese y biniese, y tardose algo mas, y quando uoluio, estando yo presente, llego con un presente de fructa de la tierra, y llegado que fue a su presencia, enpezo a temblar en tanta manera, que nose podia tener en los pies. El Atagualpa alzo la caueza un poquito, y sonrriendose le hizo sena que se fuese." (texto original) 


(2) O traje do Inca consistia de um turbante multicolorido, aderido à cabeça, chamado llauto, que trazia, na parte da frente, uma insígnia chamada MASCAPAYCHA (borla de cor vermelha); acima do Llauto, sobressaindo pela frente, eram colocadas duas penas da ave Qoriquenque, presas por uma placa de ouro que representava a imagem do sol.

3) Real Academia Española - Diccionario de la Lengua Española 

grana2. (De grano, tumorcillo). 
1. f. cochinilla2.
2. f. quermes (‖ insecto hemíptero).
3. f. Excrecencia o agalla pequeña que el quermes forma en la coscoja, y que, exprimida, produce color rojo. 
4. f. Color rojo obtenido de este modo. (cor vermelha obtida desse modo)


(4) (Andes, Hist) oficial e nobre Inca. 


(5) sobre peine. (no pente)
1. loc. adv. Dicho regularmente de cortar el cabello: Por encima de él y sin ahondar mucho. (dito, regularmente, de cortar o cabelo - por cima e sem afundar muito)

(6) Francisco Pizarro.

(7) bohío. 1. m. Cabaña de América, hecha de madera y ramas, cañas o pajas y sin más respiradero que la puerta. Real Academia Española - Diccionario de la Lengua Española. (cabana da América, feita de madeira e bambú, ramos ou palha e sem aberturas, a não ser a da porta)

(8) "Era costume entre esses índios que a cada ano as mulheres chorassem a seus maridos e parentes, carregando suas roupas e armas diante de si, e muitas índias, carregadas com muita chicha, atrás, e outras tocando tambores e cantando as façanhas dos mortos, iam de monte em monte e de lugar em lugar onde os mortos, estando vivos, haviam ido, e quando se cansavam, sentavam-se, bebíam e, descansados, voltavam ao pranto até que acabasse a chicha."(Pedro Pizarro)

(9) "... que tendo ido Hernando Pizarro e dividido o tesouro que se havia juntado, coube aos cavaleiros oito mil "pesos" por parte, e aos que lutavam a pé, quatro mil: isso era dando partes inteiras porque houve muito poucos aos quais foram dadas, a alguns cavaleiros foram dadas uma parte e meia, a outros uma parte e três quartos, e aos que íam a pé, três quartos, e meia parte, e a muito poucos a parte inteira, que se repartia conforme o que cada um servía e o cavalo que tinha, apesar de Almagro querer que fosse de forma diferente, ele e seu parceiro tomaram a metade e, aos demais espanhóis deram um mil, e aos que deram mais, dois mil pesos. "


BIBLIOGRAFIA

Pizarro, Pedro. Relación del Descubrimiento y Conquista de los Reinos del Peru.

(#)Pedro Pizarro foi um cronista espanhol e conquistador. Ele participou da maioria dos eventos da conquista espanhola do Peru, e escreveu um longo relatório  sob o título de Relación del Descubrimiento y conquista de los Reinos del Perú, que terminou em 1571.

link para o original em espanhol neste blog:


                         





                                                              

2.13.2012

TAHUANTINSUYO - AS PERFEITAS ENGRENAGENS DO IMPÉRIO







Padre Blas Valera, em seus livros, fala das leis e direitos que havia no governo dos Incas - "tão político e tão digno de louvor."




A lei municipal tratava acerca das vantagens específicas que cada província ou cidade tinha, dentro de sua jurisdição, e a lei agrária tratava da divisão e medição das terras e de sua distribuição entre os moradores de cada aldeia. Esta lei era cumprida com a máxima diligência e honestidade - os medidores encarregavam-se de aferir as terras por partes, com as suas peças de cordas que eles chamavam Tupu (1), e as repartiam entre os moradores, designando, a cada um, a parte que lhe cabia.

O direito comum era o que determinava que as pessoas agissem em conjunto (exceto os idosos, crianças e doentes) para fazer coisas e trabalhar pelo país, tais como a construção de templos, as casas do Inca ou dos senhores, arar suas terras, construir pontes, estradas, etc. 

Havia também a lei de fraternidade, que ordenava a todos os habitantes de cada aldeia que ajudassem uns aos outros a arar, a semear e realizar as colheitas, construir suas casas e outras coisas desse tipo, sem qualquer remuneração.

A lei chamada Mitachanácuy, que é 'mudar-se', às vezes, por turnos ou famílias, na qual todo o trabalho e produção realizados em comum tivessem a mesma conta, medida e distribuição que havia nas terras, para que cada província, cada cidade, cada família, cada pessoa, trabalhasse apenas o que lhe cabia, e que aquele trabalho fosse alternando-se, para que pudessem descansar.

A lei sobre as despesas ordinárias, que proibia o luxo em roupas comuns, preciosidades, como ouro e prata e pedras preciosas. Esta lei eliminava completamente a superficialidade em banquetes e refeições, mandando que, duas ou três vezes por mês, os moradores de cada cidade fizessem juntos as refeições em frente aos seus líderes. Também que se exercitassem em jogos militares ou populares para que vivessem em paz e harmonia, e para que os pastores e outros trabalhadores agrícolas pudessem animar-se, divertindo-se.
  
A lei em favor dos que eram chamados pobres mandava que os cegos, mudos e coxos, aleijados, velhos, decrépitos, doentes incuráveis e outros que não podiam cultivar a terra, podendo gerar seu próprio sustento, fossem alimentados pelos depósitos públicos. Esses mesmos depósitos públicos deveriam prover aos hóspedes que ali chegassem, estrangeiros, peregrinos e viajantes, para os quais havia essas casas públicas, chamadas corpahuaci - hospedarias - onde recebiam tudo que fosse necessário. A mesma lei ordenava que duas ou três vezes por mês todos esses necessitados fossem chamados a participar das refeições e reuniões públicas, para que a alegria comum fizesse com que se sentissem melhor.
  
A lei doméstica continha duas coisas: em primeiro lugar, que ninguém estivesse ocioso, mesmo as crianças de cinco anos se ocupavam em coisas muito leves, de acordo com sua idade. Assim, os cegos, coxos e mudos, se não tivessem outras doenças, também trabalhavam em várias coisas; as outras pessoas, enquanto tivessem saúde, ocupavam-se cada um em seu ofício e benefício, e entre eles era uma questão de grande vergonha e desonra ser punido em público por ociosidade. A mesma lei determinava que as pessoas fizessem suas refeições com as portas abertas para que os ministros dos juízes pudessem entrar livremente para visitá-los. Alguns juízes eram encarregados de visitar os templos, lugares, edifícios públicos e casas particulares: chamavam-se  llactacamayu.
  
  
Estes llactacamayu, pessoalmente ou através de seus representantes, frequentemente visitavam as casas para ver o cuidado e a diligência que tanto os homens quanto as mulheres tinham para com suas casas, família, obediência, aplicação e ocupação das crianças. Diligentemente observavam os ornamentos, objetos de decoração, limpeza e cuidado, móveis, roupas, objetos de cozinha e tudo o que tivesse relação com a casa. Recompensados ​​com elogios públicos eram os que estavam em dia com suas obrigações (os que não estivessem eram punidos). 

Havia outras leis morais e ordenanças, respeitadas em comum e em particular, mas essas foram as principais. 
  
"A ordem e a maneira que os Incas tinham de conquistar as terras e a maneira que usavam para ensinar as pessoas a vida política e cívica, certamente não é para esquecer ou subestimar, porque desde os primeiros Reis, aos quais os sucessores imitaram,  fizeram guerra apenas movidos por alguma razão que lhes parecia suficiente, como a necessidade de submeter os bárbaros à vida humana e política, ou por lesões e dores que os povos vizinhos impunham aos seus súditos, e antes que fizessem a guerra, notificavam aos inimigos uma, duas ou três vezes. "(Garcilaso)
  
Depois de haver conquistado uma província, os Incas levavam o ídolo principal daquele lugar até Cuzco, como se fosse um refém, colocavam-no em um templo até que o senhor e seu povo se desiludissem de seus deuses vãos e adorassem o Sol. Nesse primeiro momento, não lançavam ao chão os deuses estrangeiros, não desonrando a província conquistada, para que os nativos não desdenhassem do desprezo de seus deuses, até que  os tivessem também conquistados na adoração do Sol. Faziam o mesmo com o líder local, que levavam a Cuzco e todos os seus filhos, presenteando-os, para que eles, frequentando a corte, aprendessem, não apenas as leis, costumes, a língua, mas também os ritos e cerimônias. Isso restituía ao líder sua antiga dignidade e senhorio. Então os súditos lhes serviam e obedeciam como a um senhor natural. Para que os soldados vencedores e vencidos se reconciliassem, tivessem perpétua paz e amizade, para que se perdesse e esquecesse qualquer raiva ou rancor que pudesse ter nascido durante a guerra, mandavam que entre eles fossem celebrados grandes banquetes, abundância de presentes, e que ali se encontrassem também os cegos, coxos e mudos e outros pobres deficientes, para que desfrutassem da liberalidade real. "Naqueles festas havia danças de donzelas, jogos e alegrias de jovens, exercícios militares de homens maduros. Além disso, lhes davam muitos presentes de ouro e prata e penas para adornar seus vestidos e enfeites nas principais festas. Faziam outras doações de roupas e jóias, que entre eles eram muito valorizadas. 
Com esses e outros dons, o Inca presenteava aos povos conquistados, de forma que, ainda que fossem bárbaros e brutos, concordavam em ser anexados com tal amor e trabalho, com tamanho vínculo, que nenhuma província nunca rebelou-se. Para que nunca houvesse razão de queixas, de modo que elas não causassem rebeliões, confirmava-se e promulgava-se as leis, foros e estatutos antigos, sem mudar nada, caso não fossem contrários às leis do Tahuantinsuyo. Se houvesse necessidade, mudavam os habitantes de uma província para outra - dando-lhes terras, casas, servos, gado, em abundância. Para o lugar deles, mandavam cidadãos de Cuzco ou de outras províncias fiéis para que, como soldados, ensinassem aos moradores as leis, ritos, cerimônias, e a língua oficial do reino. 
  
"... tiradas algumas coisas adequadas para a segurança do Império, todo o resto das leis e direitos dos súditos eram mantidos, sem tocar em nada. As propriedades e patrimônios, públicos e privados, mandavam os Incas que se mantivessem livres e inteiros, sem diminuição. Nunca permitiram que seus soldados roubassem ou saqueassem as províncias e reinos que haviam conquistado e rendido por armas e, aos rendidos, os nativos destas, em um curto espaço de tempo fornecíam-lhes governos de paz e encargos de guerra, como se fossem velhos soldados do Inca, de há muito tempo, e fossem servos muito fiéis."(Garcilaso)
  
Havendo conquistado uma nova província,  o Inca tentava compor e ordenar os assuntos da região, para o que mandava que fossem registrados em nós e contas (2), as pastagens, montanhas altas e baixas, terras agriculturáveis, propriedades, minas de ouro, prata e cobre, salinas e fontes, lagos e rios, algodoais, árvores frutífera e gado. Todas essas coisas e outras eram contadas, medidas e gravadas na memória. Primeiro as de toda a província, depois as de cada cidade e por último as de cada pessoa; o comprimento e a largura das terras agriculturáveis, dos campos eram medidas e claramente relacionadas, não para aplicar a si mesmo ou a seu tesouro qualquer das coisas que pediam notícia, mas para que, conhecida, perfeitamente, a fertilidade e abundância ou a esterilidade e a pobreza da região e de seus povos, fosse determinado o que os nativos iriam contribuir e no que iriam trabalhar. Também para que pudesse chegar a tempo o socorro de abastecimento, roupas, qualquer outra coisa que tivessem necessidade em tempos de fome ou de guerra. Mandava ser de conhecimento público e notório tudo o que fosse feito a serviço do Inca, tanto dos chefes quanto do país. Assim, nem os súditos poderiam diminuir nada do que tivessem obrigação de fazer, nem os chefes ou os seus representantes poderiam prejudicá-los. 




"O peso dos impostos que aqueles Reis impunham a seus súditos era tão leve que parece brincadeira o que adiante diremos, aos que lerem. No entanto, os Incas, não contentes ou satisfeitos com todas estas coisas, distribuíam com fartura as coisas necessárias para a alimentação e o vestir, sem outros muitos presentes, não apenas aos senhores e nobres mas também aos plebeus e aos pobres, de tal maneira que, com muita razão, poderiam chamar-se diligentes pais de família ou cuidadosos cuidadores, do que Reis,..." (Garcilaso)
  
De acordo com a conta e medida que se fizera da província conquistada, eram colocados seus pontos de referência e limites, para que fosse separada de seus vizinhos. E para que, no futuro, não houvesse confusão, colocavam nomes próprios e novos aos montes e colinas, campos, prados e fontes, e outros lugares, se antes eles tinham nomes, eles eram confirmados, acrescentando algo novo, que os distinguisse das outras regiões. Em seguida, repartiam as terras, a cada aldeia da província o que lhes pertencia, para que fosse território particular, proibindo que esses campos e lugares universais, identificados e medidos dentro dos limites de cada povo, de modo algum se confundissem. 
  
As minas de ouro e prata, antigas ou recém-descobertas, eles as davam aos governantes e seus familiares e os súditos poderiam pegar o que quisessem, não para tesouros, mas para adornar os vestidos e para os enfeites de suas principais festas e para alguns copos nos quais os curacas (chefes) bebessem. Parece que não faziam caso das minas, esqueciam-se delas e deixavam perder - havia pouquíssimos mineiros para extrair e derreter o metal, apesar de, em outros ofícios e artes, existirem inúmeros oficiais. Os mineiros, fundidores de metais e outras pessoas empregadas naquele trabalho não pagavam outro imposto que não fosse o devido ao seu trabalho e ocupação. 
  
Eles eram obrigados a trabalhar dois meses, com esses dois meses pagavam seu tributo - o tempo restante do ano, gastavam como quisessem. Apenas trabalhavam as pessoas da província que tinham isso por ofício particular e conheciam a arte, os chamados metaleiros. O cobre, chamado anta, usavam no lugar do ferro, do qual faziam as armas, facas e instrumentos de carpintaria, os grandes prendedores que as mulheres usavam em suas roupas, os espelhos, as enxadas com as quais capinavam e os martelos para os ourives, pelo que apreciavam muito esse metal, e porque para todos era mais aproveitado do que a prata ou o ouro, extraíam mais quantidade de cobre do que de outros metais. Pessoalmente, acho que isso era feito com a intenção de não banalizar o ouro e, sim, valorizá-lo. Afinal, acreditavam que o ouro era o suor dourado do Sol, portanto sagrado. 
  
"Daí também nasceu que os reis do Peru, por terem sido assim, fossem tão amados e queridos por seus súditos que os índios de hoje, sendo já cristãos, não podem esquecê-los, em seus trabalhos e necessidades, com lágrimas e gemidos, gritam em voz alta a chamá-los um a um pelos seus nomes, porque não se lê que qualquer um dos antigos reis da Ásia, África e Europa tenham sido para os seus súditos nativos tão cuidadosos, tão gentis, tão proveitosos, francos e liberais, como foram os Reis Incas para com os seus." (Garcilaso)
  
Os curacas eram como nobres, de acordo com Garcilaso, senhores de vassalos, como eram os duques, condes e marqueses de Espanha, e como senhores verdadeiros e naturais, presidiam na paz e na guerra aos seus: eles tinham poderes para fazer cumprir as leis particulares, para compartilhar impostos, para sustentar sua família e todos os seus súditos em tempo de necessidade, de acordo com as ordenanças e estatutos do Inca. 
Embora eles não tivessem autoridade para fazer as leis ou declarar direitos, também sucediam por herança nos negócios e na paz nunca pagavam tributo, e em suas necessidades eram providos desde os depósitos reais e não dos comuns. Os outros, inferiores aos capitães, tais como os cabos de esquadrão de dez e de cinquenta, não eram livres de impostos, porque não eram de "linhagem clara". 
Os generais e os mestres de campo poderiam escolher os cabos de esquadrão: uma vez eleito, não podiam tirar-lhes os cargos: eram perpétuos. (3) 


Eles pagavam tributo de acordo com seu ofício de decuriões e também tinham o cuidado de olhar e visitar os campos, propriedades, casas reais, vestuário e alimentação das pessoas comuns. 
  
Os outros governadores e ministros eram nomeados pelo Inca, de menor a maior subordinados a todas as coisas do governo e os impostos do Império. Havia pastores maiores e menores, aos quais entregavam todo o gado real e comum. Estes o guardavam com grande fidelidade, de modo que não faltava um só. Sua tarefa era a de afugentar as feras - não havia ladrões. 


Havia guardas, observadores maiores e menores de campos e fazendas. Havia responsáveis ​​e administradores, juízes e visitantes. O trabalho de todos eles era que não faltasse ao seu povo coisa alguma do necessário: havendo necessidade do que quer que fosse, imediatamente avisavam aos governadores e curacas e ao próprio Inca, para que provessem, o qual faziam maravilhosamente, especialmente o Inca, que nesta matéria de forma alguma queria que o povo o visse como Rei, mas como um pai de família e um tutor muito diligente. 
  
"Os juízes e visitadores tinham o cuidado e a diligência que todos os homens se ocupassem de seus ofícios e que, de forma alguma estivessem ociosos, que as mulheres tratassem de cuidar de suas casas, seus quartos, suas roupas e alimentos, de criar seus filhos, enfim, de fiar e tecer para sua casa; que as meninas obedecessem a suas mães, a suas amas, que sempre estivessem envolvidas em trabalhos domésticos e femininos, que os homens e mulheres idosos e portadores de necessidades especiais se ocupassem de algum trabalho útil para eles, até mesmo recolher galhos secos e palha, ou remover os piolhos, levando-os aos decuriões ou cabos de esquadras. O ofício  adequado dos cegos era o de limpar o algodão removendo os caroços e debulhar o milho." (Blas Valera)
  
Havia oficiais de vários trabalhos que reconheciam e mantinham seus professores, como ourives de ouro, prata, cobre e latão, carpinteiros, pedreiros, canteiros, lapidadores de pedras preciosas. 


Havia ministros oficiais lavradores para visitar os campos, caçadores de aves e pescadores, tanto de rios quanto do mar, tecelões, sapateiros, homens que cortavam madeira para as casas reais e edifícios públicos, ferreiros que fabricavam as ferramentas de cobre para as suas necessidades. Havia muitos outros oficiais mecânicos; embora numerosos, todos eles desempenhavam com muito cuidado e diligência suas funções e obras de suas mãos. 
"Os animais de carga para transportar suprimentos, para todas as partes, eram desse gado que os espanhóis chamam de carneiros (4), sendo mais semelhantes aos camelos (removido a corcunda) do que aos carneiros, e embora fosse costume, entre os índios, andar carregados, o Inca não permitia isso no seu serviço se não fosse necessário. Mandava que fossem poupados de todo o trabalho que pudessem ser poupados, porque dizia que os queria preservar para uso em outras obras, nas quais fossem imprescindíveis e melhor aproveitados, como em fortalezas e casas reais, na construção de pontes e estradas, passeios e valas e outras obras de benefício comum, nas quais os índios estavam sempre ocupados. "


Mandava o Inca que fosse comum a todos os nativos da província, o sal que se fabricava, tanto o das fontes de água salobra como o da água do mar, os peixes dos rios, córregos e lagos, o fruto das árvores nascidas no local, o algodão, o cânhamo, e enquanto comuns, que todos colhessem o que tivessem necessidade, e nada mais. Cada um, em suas terras, tinha permissão para plantar as árvores frutíferas que quisesse e poderia desfrutar disso à vontade.
As frutas e legumes plantados, o Inca repartia em três partes: a primeira para o Sol, seus templos, sacerdotes e ministros, a segunda para o patrimônio real (governadores e ministros reais, que estivessem fora de suas terras de origem) e para os depósitos comuns, a terceira parte para os nativos da província e os habitantes de cada aldeia. A cada um a sua parte, o suficiente para sustentar sua casa.


Esta divisão era feita pelo Inca em todas as províncias do Império, para que em tempo algum fosse pedido às pessoas tributo algum de seus bens e propriedades, nem eles fossem forçados a dá-los a ninguém, nem aos seus superiores, nem aos depósitos comuns de suas cidades ou aos governadores do Inca ou ao próprio Inca, nem aos templos ou aos sacerdotes, nem mesmo para os sacrifícios que faziam ao Sol. Os frutos que sobravam da parte que cabia ao Inca eram deixados nos depósitos comuns de cada cidade e os que sobravam das terras do Sol também eram destinados aos pobres (deficientes, coxos, aleijados, cegos, etc.). 
                                    
                                                            


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1) topo (topo ou tupu: a medida baseada no passo humano equivalente a aproximadamente 2700 m²; 0.27 Ha.; 0.67 acres). 

(2) quipo ou quipu - Cada um dos nós coloridos que constituíam o sistema de escritura e contabilidade dos Incas. Mais no pl:. os Quipus.

(3) Alguns eram de dez soldados e outros, cinqüenta.  Os capitães menores eram de cem soldados, outros, quinhentos, e outros, mil. Os mestres de campo eram de três, quatro e cinco mil guerreiros. Os generais eram de dez mil para cima: chamavam-se Hatun Apu, que significa grande capitão.

(4) llama, alpaca, vicuña.






BIBLIOGRAFIA
Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales.
Padre Blas Valera, Las Costumbres Antiguas de Perú y La Historia de los Incas