2.02.2011

O BRILHO DE OURO DO VERDADEIRO TESOURO DE ATAHUALPA







"O templo do Sol estava silencioso e frio. Uma leve bruma envolvera a cidade, adentrando o Templo, como presságio. Huascar Inca parou diante da imagem do Punchau (Inti) e, sem muita emoção, ficou, apenas, observando. Os tempos ancestrais o haviam trazido a esse momento, a um mundo que beirava a perfeição, no qual o Sol podia brilhar para sempre, saltando de luz em luz, nas paredes de ouro do Qoricancha.
A figura do Sol, feita de ouro maciço, seu rosto redondo e vivo, seus raios como chamas de fogo, em uma única peça dourada, tão grande que alcançava de uma parede a outra, fez com que pensasse, por um minuto, na grandeza do Império do Sol. Não havia outro deus como o Sol, nem jamais haveria e, portanto, ninguém, também, maior do que seu Filho. Jamais os Incas adorariam outros deuses. A  Lua. as Estrelas, o Relâmpago, o Arco-íris, eram, apenas, deuses complementares de Seu séquito de luz e criação. 
Lembrou-se de quem era e caminhou até a porta. O Filho do Sol deveria brilhar, dia após dia, como o Pai, para todos - apesar da chuva, da tempestade, do vento, da neve, da escuridão, da morte... Não existe alternativa para tão grande responsabilidade. Pisou com força na direção da saída. A decisão estava tomada - não existem recônditos sob o Sol..."




                                                  




O Qoricancha, Templo do Sol, estava, estranhamente, iluminado nessa tarde nebulosa do ano de 1.532.
O Inca, que tantas vezes percorrera o mesmo caminho, dentro do templo, sentia-se cheio de presságios nesse dia, ao voltar-se para contemplar os corpos embalsamados dos Incas ancestrais. Estes, margeando a figura do Sol, pareciam respirar, sentados em suas cadeiras de ouro, sobre as placas reluzentes do metal. Todos os rostos, voltados para o povo, menos seu pai, Huayna Qhapaq que, posto diante da representação do Sol, mantinha seu rosto voltado para Ele, como seu Filho mais querido.
O Inca caminhou, mais uma vez, até a porta principal do Templo que, abrindo-se para o Norte, reluzia ao sol, como o resto das paredes, cobertas com placas de ouro. Um ruído suave e constante chamava a atenção para a sala dedicada à Lua, suas portas forradas com placas de prata, com a imagem Lunar em uma enorme peça de prata maciça, Mamacullia (Mãe Lua), à qual oram e sacrificam as princesas. Os corpos das rainhas ancestrais ladeavam a sala e a múmia da rainha, mãe de Huayna Qhapaq, face a face com a Lua, ocupava lugar de destaque nela.
Notou que todas as outras salas permaneciam silenciosas - a sala das Estrelas, dos Relâmpagos, Raios e Trovôes, bem como a sala do Arco-íris. Todos esses deuses secundários, inclusive a própria Lua, não eram adorados - só o Sol deveria ser adorado - os outros, eram respeitados como tendo sido criados por ele. e por fazerem parte de seu séquito divino.

Cusco, com seu refulgente templo e seus palácios de ouro, recebia das minas e garimpos, a cada ano, cerca de 15 mil arrobas de ouro e 50 mil de prata, além de numerosas cargas de ouro e pedras preciosas de todos os cantos do Império.

Anexo ao Templo, o Jardim do Sol, que Huascar  havia criado, rivalizava, com aquele, em beleza, porém não em riqueza. Ali, tudo era de ouro e pedras preciosas: torrões de terra, imitados com primor, em ouro e prata, caracóis, lagartos que se arrastavam na terra, delicadamente esculpidos no metal dourado, a relva, as plantas, árvores com frutos de ouro e prata, borboletas delicadas postas nos galhos, pássaros nas árvores como que cantando e voando e sugando o mel das flores - tudo de ouro - o grande milharal, com suas folhas, pendões e espigas que pareciam de verdade; a raiz sagrada da quínua e, para, completar, vinte lhamas de ouro com seus filhotes, equipamentos e pastores.

Passaram-se quase quinhentos anos e o mistério transformou-se em segredo, o segredo fez-se mito e o mito se agita, ao vento do tempo, como bandeira de lendas. Os Incas calaram-se - mesmo sob tortura; os espanhóis  nunca desistiram, embora frustrados com o resultado da busca; e os arqueólogos procuram, até hoje, sem cessar. Seria mesmo verdade que o túnel que conduz ao tesouro inca parte do Qoricancha e tem uma de suas saídas nas proximidades das impressionantes muralhas de Sacsayhuaman, em um lugar chamado Chinkana Grande?

No momento em que o ouro era retirado pelos espanhóis para ser levado à Espanha, muitas peças, principalmente, sagradas, não foram encontradas - objetos do jardim de ouro, por exemplo. Naquele momento, começou a especular-se sobre o que acontecera ao ouro dos Incas. Ali, nascia a lenda de que o ouro estaria em salas e túneis secretos sob o Qoricancha.






O cronista Felipe de Pomares, nos primórdios do século XVII, referiu-se a um príncipe inca chamado Carlos, neto de Cristóbal Paullu Inca, descendente direto de Huayna Qhapaq que, para casar-se com uma espanhola chamada Maria Esquivel, teria lhe contado ser o guardião de uma imensa fortuna escondida. Depois do casamento, ela buscara esse tesouro e, sem encontrá-lo, começara a insultar o marido, constantemente, chamando-o de pobre, incitando-o, desse modo, a lhe mostrar o tal tesouro que ela, enquanto espanhola, buscava sem cessar. Um dia, cansado de tantos insultos, ele decidiu que lhe mostraria e, então, depois de vendar-lhe os olhos, conduziu-a, às vezes, a pé, outras, no colo, por inúmeros becos e porões.
Quando chegaram a um largo subterrâneo, ele lhe tirou a venda e ela pode ver "o mais fabuloso tesouro que se possa imaginar". Contou ela depois que pode ver milhares de objetos de ouro brilhando à luz da tocha: ali estavam estátuas dos incas, todas de ouro, do tamanho de uma criança de doze anos. Havia, ainda, vasos, pratos e outros objetos, tudo de ouro.
O marido vendou-lhe, outra vez, os olhos e conduziu-a, dali, sem levar nada. Louca de ódio, ela o denunciou às autoridades. Era crime ocultar tesouros que, na concepção do governo, pertenciam à Coroa de Espanha: decretaram sua prisão, com a esperança de que, sob tortura, confessasse o local do tesouro. Tudo inútil, ele conseguira fugir para Wilcabamba, último refúgio inca nos Andes.


Em 1814, don Mateo Garcia Pumakahua, descendente de inca e conspirador contra os exércitos reais do Perú, ao que parece, para convencer o coronel Domingo Luis Astete de que haveria ouro bastante para financiar uma revolta independentista, conduziu-o, olhos vendados, através da Praça de Armas de Cusco, depois, até um riacho, talvez o Choquechaca, e, dali, por um caminho secreto no subsolo da cidade. Ali, olhos arregalados, Astete pôde ver pumas com olhos de esmeralda, tijolos de ouro e prata e inúmeras peças de grande valor. Astete pode notar que, naquele momento, o relógio da catedral marcava as nove badaladas da noite.

Alexander Von Humboldt, em seu livro "Views of Nature" (London, Henry G. Bohn, 1850) relata o seguinte:

"O filho de (cacique) Astorpilca, um interessante e simpático de dezessete anos de idade, levou-nos para as ruínas do antigo palácio. Vivendo em grande pobreza, sua imaginação estava cheia de imagens do esplendor subterrâneo e tesouros de ouro que, nos assegurou, estavam escondidos debaixo dos escombros onde estávamos pisando. Ele disse que um de seus antepassados cobrira os olhos de sua esposa e, depois, passando por passagens complicadas a levou aos jardins subterrâneos do Inca. Lá a mulher contemplou a criação de peças de ouro mais puro, árvores com folhas e frutos, pássaros em seus ramos. Entre outras coisa, viu a cadeira de ouro de Atahuallpa..."

(continua) "O filho de Astorpilca me assegurou que, no subsolo, um pouco à direita do lugar onde eu estava, havia uma grande árvore Datura, ou Guanto, cheio de flores, caprichosamente feita de ouro e placas de ouro e que seus galhos estendiam-se até a cadeira do Inca. A mórbida fé, com a qual o jovem afirmava sua crença nessa estória fabulosa, causou uma profunda e melancólica impressão em mim.
Essas ilusões são acalentadas, entre o povo daqui, como meio de garantir-lhes consolação em meio a grande privação e sofrimento terreno. Eu disse ao rapaz, " Já que você e seus pais acreditam, tão firmemente, na existência desses jardins, você não sente, em sua pobreza, um desejo de desfrutar desses tesouros que estão tão próximos de você?" A resposta do jovem peruano foi tão simples e  expressiva  da calma resignação dos habitantes indígenas do país que eu coloquei observações, embaixo, em espanhol, no meu jornal. "Tal desejo ( tal antojo)", disse ele, "nunca nos alcança. Meu pai diz que seria pecado ( que fuese pecado) se nós tivéssemos os galhos de ouro, com todos os seus frutos de ouro, nossos vizinhos brancos nos odiariam e nos feririam. Nós temos um pequeno campo e bom trigo (buen trigo)."


Fiz questão de sublinhar esta breve declaração que, ao contrário do que tenta mostrar a preconceituosa descrição do famoso autor de Views of Nature, Alexander Von Rumboldt, simplesmente, expressa a essência do povo Inca e não seria preciso mais nada para revelar o verdadeiro tesouro de Atahualpa, escondido, em meio aos outros tesouros, materiais, valiosos, preciosos, duradouros mas, passíveis de roubo e apropriação indébita. O verdadeiro tesouro Inca, não pode ser roubado, não foi derretido, muito menos exportado para a Europa, ainda que sob tortura. O espírito desse povo ainda brilha, como o próprio Sol que ele representa. Ainda guardam a si mesmos,  preservam-se, incólumes, puros e verdadeiros, esperando pela volta daquele que eles esperam para libertá-los da opressão dos que ignoram e existência de uma civilização que não conhece o roubo, a mentira ou o ócio. Ama Sua, Ama Llulla, Ama Quella.
  



Nos primeiros dias do mês de março de 2003, a imprensa do mundo inteiro divulgou que  o arqueólogo espanhol Anselm Pi Rambla havia encontrado  um grande túnel, ou galeria subterrânea, de uns dois quilômetros de comprimento, no subsolo da antiga cidade Inca de Qosqo, atual Cusco, que unia  a construção denominada Qoricancha, antigo Templo do sol, atualmente Convento de Santo Domingo à fortaleza de Sacsayhuaman, situada ao norte da cidade.




De acordo com Rambla e seus colaboradores, o túnel não passava de uma pequena parte de um grande emaranhado de galerias, câmaras e mausoléus que, seguramente, estendiam-se no subsolo da cidade, como indicavam os modernos e sofisticados radares que haviam assinalado uma rede de comunicação entre o Convento de Santo Domingo com o Convento de Santa Catalina (Marcahuasi), com a Catedral (Templo de Wiracocha Inca), com o palácio de Huascar, com o Templo de Manco Capac (Colcampata) e com o Huamanmarca. A uns cem metros de profundidade, sob a moderna superfície da cidade de Cusco.
Todos os edifícios estão em perfeito alinhamento astronômico, com o qual se confirmaria que os antigos peruanos também guiaram suas construções pela posição do Sol, da Lua e das constelações.



Em julho de 2.000, quando da assinatura do acordo entre o Instituto Nacional de Cultura do  Perú e a Orden de los Dominicos de Cuzco de um lado e a sociedade de pesquisa de Anselm Pi Rambla (Sociedad Bohic Ruz Explorer) do outro, muitos foram os opositores ao citado projeto e, apesar da grandiosidade da descoberta, após cinco meses apenas, em agosto do ano 2.003, o Instituto Nacional de Cultura do Perú rescindiu os acordos que autorizavam os trabalhos de escavação e pesquisa existentes sob uma grave acusação: o projeto havia sido um grande engano.





As mesmas autoridades, que impediram a continuação dos trabalhos de busca a novos túneis para confirmar a realidade de todas essas lendas, insistiram para que Rambla encerrasse as escavações realizadas no Templo, as quais permaneceram inacabadas, deixando a conclusão dos trabalhos a cargo do grupo de pesquisa: as obras incluíram o pagamento da mão de obra, honorários profissionais, o custo dos materiais para o preenchimento das escavações, bem como a recolocação do material retirado. Do mesmo modo, tiveram de pagar uma caução de seis mil dólares como garantia do cumprimento da realização do encerramento das obras, cujo beneficiário era o Convento de Santo Domingo, de onde partia o túnel.