1.28.2011

PRINCESINHA DE PEDRA - A LENDA






Nos tempos do Império Inca, as gigantescas escadas que pendiam sobre o Vale Sagrado deixaram florir o maior e melhor milho do Tahuantinsuyo, as frutas mais doces, as flores mais belas e plantas medicinais para suprir os mercados. O mítico monte Linle foi esculpido para isso e os habitantes de Pisaq podiam orgulhar-se de viver ali.
Naquele lugar, Pachacutec mandara construir uma cidade-fortaleza para abrigar sua Panaka.

O lugar foi chamado Pisaq, pela enorme quantidade de perdizes (ou pisaqas) que lá existiam; hoje é chamada Linle, sem que haja uma explicação para o nome, talvez por ser o nome do monte. Para alguns autores, Pisaq vem da palavra quéchua pisaq, que seria o nome de um pássaro extinto; outros, dizem que era o nome do governador da região. O caso é que a palavra existe, em quéchua, e é utilizada para designar uma ave parecida com a perdiz europeia e que vive, especialmente, a três mil e oitocentos metros do nível do mar.
Às portas do Vale Sagrado dos Incas - um lugar cortado pelo sagrado rio Willkamayu que irriga suas entranhas e que por muitos séculos, ou mesmo milhares de anos, tem exalado magia e mistério.

Quando os visitantes vêm para a praça de Pisaq ainda podem encontrar um tipo de comércio que, se ao longo dos anos está desaparecendo, ainda persiste, apesar da força, inexorável, dos tempos modernos: é o sistema de trocas - este sistema comercial foi usado pelos antigos povos da Cordilheira dos Andes, muito antes dos Incas - é a troca de produtos sem dinheiro. Troca-se artesanato, produtos agrícolas, produtos animais como lã. É um sistema eficaz e simples, que permite a pessoas, de diferentes áreas geográficas, o acesso a outros produtos.

Para além das fachadas de pedra que ostentam detalhes de linhas perfeitas - muralhas... Aquedutos que conduziam a água pelas artérias da montanha sagrada... Ninhos de condor ao longo das vertentes, para além de torres e bastiões... Duas cidades de pedra, um observatório astronômico, templos magníficos, o Intiwatana, a necrópole nas cavidades da rocha, onde colocavam  os mortos...

Mais um dia amanhece e, diante da cidade, na encosta ocidental do Willkamayu, no alto de uma colina, o monólito, que tem a figura de uma mulher com phullu (uma espécie de manta) dobrado sobre os ombros, desafia o tempo, a distância e o amor - como o próprio Tahuantinsuyo, que ainda espera... como ela...


  
Há muitos e muitos anos... em Pisaq...


Seu povo, de boa índole, sofria com o assédio do povo da floresta, os antis, que, no tempo das chuvas, aproveitavam para invadir o lugar. Os Incas, seus aliados, não podiam ajudar, pois não conseguiam passar para o outro lado quando o rio ficava caudaloso. A linda princesa Inkill Chumpi  nascera nessa situação e, embora tivesse muitos pretendentes no próprio Vale Sagrado, quando menina ouvira o oráculo do arco-íris, Wankar Kuichi, que estivera prisioneiro em um dos morros diante de Pisaq, profetizar que muitos príncipes viriam de diferentes regiões e que casar-se-ia com ela aquele que pudesse construir a ponte sobre o rio em uma só noite.
Ela, então, afastava todos os pretendentes de Pisaq, esperando pelo prometido salvador, até que, certo dia, Asto Rimaq, filho do kuraka dos wallas, reino do misterioso Antisuyo, chegou. O jovem lhe trouxe muitos presentes maravilhosos porém, nenhum como o Qoriqenqe, belíssimo pássaro de dourada plumagem, com listras azuis, amarelas e vermelhas, e que revelava o futuro com seu doce canto. 
Ao tomar conhecimento da profecia de Wankar Kuichi, o Qoriqenqe declarou que a ponte seria construída em uma única noite e que as pedras se desprenderiam sozinhas das pedreiras. Os dois jovens, Inkill e Asto, deveriam cruzar o rio sagrado. Asto Rimaq ficaria na margem do rio e a linda Inkill subiria pela encosta levando a melhor Coca, como sagrada oferenda, deixando as folhas caírem ao chão, depois de beijá-las, constantemente, até chegar ao topo. Ele foi enfático ao afirmar que, se ela se voltasse para olhar, os dois jamais se veriam, outra vez, e morta estaria a esperança do seu povo.
Ela prometeu seguir as instruções do pássaro e, depois de atravessar o Willkamayu, começou a subir pela encosta. Mal caiu o primeiro punhado de Coca sentiu-se um tremor que foi crescendo até converter-se em um estrondoso movimento. As pedras se desprendiam sozinhas e os blocos voavam sobre as águas. Seu andar movia o ambiente como se tivesse vida. Algumas roçavam-se e o contacto produzia raios e relâmpagos. De repente, tudo parou, de uma vez. Foi então que, a linda Inkill não pode aguentar a curiosidade e, virando-se para olhar, foi transformada em pedra, enquanto o desditoso prometido era arrastado pelas turbulentas águas do Willkamayu - a gigantesca ponte não pode ser construída.
Consumida pela tristeza, a ave de Asto Rimaq disse que seu fim estava próximo e que, assim que morresse, entregassem sua plumagem ao Inca. O amarelo, segundo indicou, era o símbolo da riqueza, o azul, sinônimo da sabedoria e o vermelho, do poder. 
Disse ainda que o Inca deveria mantê-las juntas. Se as separasse, determinaria a queda do Tahuantinsuyo. Huayna Qhapaq, que não sabia disso, pois os sacerdotes guardaram o segredo só para eles, dividiu as penas que estavam em sua testa, cingidas pela maskapaycha, entre seus dois filhos, Huascar e Atahualpa, o que teria  precipitado o final do Império.

Essa lenda é muito linda e também muito triste; também muito mágica.
Pode ser lida em:
Maximiliano Rendon, "Leyendas del Valle Sagrado de los Incas y otros Estudios”, Cusco, 1960